No Brasil, até o óbvio precisa de confirmação!
Refiro-me à Lei n° 14.454, de 21 de setembro de 2022, que alterou a Lei n° 9.656/98 (Lei dos planos de saúde).
Tal lei, a 14.454, alterou o art. 10 da Lei dos planos de saúde, que em seu § 13 dispõe o seguinte:
- 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que:
I – Exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou
II – Existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.”
Portanto, a Lei 14.454 alterou o entendimento fixado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em junho de 2022, de que o rol de procedimentos fixados pela ANS seria taxativo.
A bem da verdade, o rol da ANS nunca foi, de fato, taxativo, pois o entendimento que tem sido acertadamente adotado pelos tribunais é de que se trata de um rol de referência, podendo ser imposto ao plano de saúde o dever de custear o tratamento, caso haja comprovação científica de que um tratamento fora daquele rol tem eficiência para tratamento dos pacientes.
Há milhares de decisões judiciais neste sentido, proferidas por juízes de todo o Brasil que aceitaram não se curvar a uma lista de procedimentos estabelecida por uma Agência Reguladora (a ANS), e fazer valer a saúde, a vida e o bem-estar do ser humano.
O STJ, porém, agora se vê às voltas de nova decisão sobre o rol da ANS, desta vez para interpretar a abrangência da Lei 14.454, que a meu ver tornou sem efeito a decisão da Corte de junho de 2022, que entendeu se tratar de rol taxativo.
A Ministra Nancy Andrighi, relatora de três recursos que discutem a questão, considerou que a decisão do STJ de junho de 2022 estaria superada pela edição da nova lei. A Ministra proferiu voto corajoso, como era de se esperar. O Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva pediu vista do processo e, agora, a questão, que até então parecia óbvia, deve aguardar o desfecho por mais algum tempo, até que o STJ volte a analisar se a lei (de setembro) “supera” o entendimento do STJ de junho.
Ao nosso sentir, o rol da “taxativo” da ANS, que foi transformado em rol de “referência” pela Lei 14.454 (há uma distância abissal entre ser taxativo e ser mera referência), e que já era superado pelo Judiciário em corajosas decisões, não deve ser utilizado pelos planos de saúde para negar procedimentos, medicamentos ou tratamentos, quando houver inequívoca demonstração de que outro, não constante daquela lista, pode ser mais eficiente na cura e no tratamento do paciente.
O advogado Jean Caristina escreve semanalmente assuntos de interesse do consumidor. Havendo dúvida ou se quiser pedir uma pauta, entre em contato:
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