Neste post iremos falar sobre os medicamentos utilizados para o tratamento de crises convulsivas ou epilepsia.
Mas, antes de entrarmos nas drogas, vamos comentar um pouco sobre convulsões para ficar mais claro como as drogas irão agir.
As crises epilépticas ou convulsivas são alterações de comportamento ou consciência, que resultam de descargas espontâneas e anormais de neurônios no cérebro. Estas descargas desencadeiam alterações no organismo em nível de estado de consciência e condição de contração muscular.
Qualquer pessoa pode sofrer um ataque epiléptico, devido, por exemplo, a choque eléctrico, deficiência em oxigênio, traumatismo craniano, baixa do açúcar no sangue, a não privação de álcool ou abuso da cocaína. As crianças menores podem ter convulsões quando têm febre; nestes casos, são chamadas “convulsões febris”, mas não representam epilepsia.
Sintomas das crises convulsivas
Durante a crise, a pessoa pode apresentar várias alterações no organismo, que dependem da zona do cérebro onde se fez a descarga eléctrica anormal das células do cérebro (neurónios). Nestas situações podemos observar:
– Agitação motora,
– Olhar ausente,
– Os olhos podem ficar fixos na parte superior ou lateral,
– Perda da consciência (perder os sentidos) que pode causar uma queda brusca,
– Espasmos musculares (contrações) com movimentos de contração e flexão muscular, que podem ser suaves ou muito fortes,
– Aumento da produção de saliva (sialorréia),
– Fechamento da boca com muita força, tendo o perigo de morder a língua e lábios,
– Descontrole de urina ou fezes.
Tipos de convulsões
Dependem das funções dos neurônios onde se dá a dita descarga eléctrica anormal, bem como se a descarga se limita a um grupo de neurônios ou se propaga a outros, ou inclusive, se atinge simultaneamente todos os neurônios.
Assim podemos distinguir dois tipos fundamentais de crises convulsivas:
– generalizadas: envolvendo toda a região cerebral
– parciais: na qual a descarga se limita a uma área cerebral
As “crises generalizadas”, são divididas em:
1- Tônico-clônicas (também conhecidas por crises de grande mal): Durante esta crise generalizada, o doente passa pela fase tônica e fase clônica (movimentos tônico-clônicos) várias vezes e há perda da consciência. Na fase tônica os movimentos são violentos, rítmicos e involuntários. Pode sair espuma pela boca e apresentar incontinência urinária. Estes movimentos ficam mais suaves e espaçados no final da crise. Na fase clônica os olhos ficam virados para a zona superior, como se estivesse a olhar para a testa, os músculos ficam todos contraídos, os braços dobrados e o resto do corpo esticado. Pode haver emissão de um som característico pela boca (grito) e dura pouco tempo. A pele pode ficar acinzentada se a pessoa não respirar durante a crise (apneia). É normal o doente ficar cansado e sonolento no final da crise, pelo que se deve deixar dormir.
2- Crises de ausência (ou crises de pequeno mal): É descrita como uma paragem súbita, durante segundos, mais comum em crianças. Costuma ser, por vezes, acompanhada por movimentos mastigatórios. Apresenta recuperação rápida, com amnésia para estes episódios. Quando não reconhecida, origina problemas na aprendizagem. No senso-comum, é confundida como um estado de desatenção, de “sonhar acordado” ou quando se se age como ignorância deliberada das instruções dos adultos.
3- Atônicas: É descrita como uma queda súbita, sem perda de conhecimento, em crianças ou adultos. Geralmente, 10 a 60 segundos depois, é possível pôr-se de pé e andar. Não deve ser confundida como uma coordenação motora deficiente ou mesmo falta de jeito.
4- Mioclônicas: Caracteriza-se pela apresentação de contracções musculares súbitas e maciças atingindo todo o corpo ou partes do mesmo. O doente pode atirar com o que tem nas mãos ou cair de uma cadeira. Não deve ser confundida como uma coordenação motora deficiente, falta de jeito ou mesmo uma atitude reivindicativa
As “crises parciais” podem subdividir-se em:
1- Crises parciais simples: É descrita através da visualização de convulsões limitadas a uma área do corpo, mas que podem estender-se a outras áreas, sem haver perda do conhecimento. Estas podem generalizar-se e provocar uma crise de grande mal. A pessoa costuma ter uma sensação de formigueiros ou picada percorrendo uma ou mais áreas corporais ou a visualização ou audição de coisas ou sons que não estão presentes. Descreve uma sensação inexplicável de medo ou prazer, cheiros ou gostos desagradáveis, sem nada haver que os provoque. Sente-se uma sensação “esquisita” no estômago. Geralmente é interpretada como uma representação para chamar a atenção dos outros, um comportamento bizarro. Pode ser entendida como histeria, uma doença mental ou então uma experiência mística ou parapsicológica.
2- Crises parciais complexas: É descrita como uma parada seguida de movimentos mastigatórios e automáticos, constando de gestos desajeitados de mexer na roupa, agarrar ou manusear objetos ou mesmo despir-se. O afetado pode andar. Pode resistir quando agarrado. A crise tem a duração de alguns minutos. Há confusão após a crise que pode ser mais longa e amnésia para o ataque. Não deve ser interpretada como uma bebedeira, uma dependência a drogas ou a uma doença mental.
Mecanismos químicos da convulsão
A base química da descarga anormal não está bem esclarecida. Pode estar associada a:
– aumento da transmissão dos aminoácidos (substâncias que formam as proteínas) excitatórios, sendo o principal o glutamato;
– diminuição de um neurotransmissor inibitório, o ácido gama aminobutírico (GABA);
– propriedades elétricas anormais das células afetadas.
O GABA (ácido gama-aminobutírico) é o mais importante neurotransmissor inibitório do sistema nervoso central (SNC). Portanto, quando este neurotransmissor é liberado no cérebro, as atividades cerebrais são diminuidas, causando uma sensação de relaxamento.
O glutamato é o mais importante neurotransmissor excitatório do SNC. Então, diferentemente, do GABA, o glutamato, quando é liberado no cérebro, causa estimulação das funções neurais.
Os canais de sódio e de cálcio tambem exercem função de estimulação do cérebro, quando são estimulados.
Discutimos tudo isso apenas para entendermos a maneira de agir dos anticonvulsivantes, pois eles irão aumentar o sistema inibitório (a fim de diminuir a estimulação do cérebro) ou diminuir os mecanismos que estimulam o cérebro.
FÁRMACOS ANTICONVULSIVANTES
Mecanismo de ação dos fármacos anticonvulsivantes
Geralmente, a maioria das drogas antiepilépticas possuem mais de um mecanismo de ação.
De acordo com alguns autores, essas drogas são divididas em 3 grandes grupos de acordo com seu mecanismo de ação:
– O primeiro grupo consiste dos anticonvulsivantes que bloqueiam o os canais de sódio ou cálcio. Entre as drogas que agem desta maneira, temos: carbamazepina, gabapentina, lamotrigina, oxicarbazepina, fenobarbital, fenitoína, topiramato e valproato.
– O segundo grupo inclui as drogas que potencializam os efeitos inibitórios mediados pelo GABA. Entre as drogas que agem desta maneira, temos: benzodiazepínicos, gabapentina, fenobarbital, tiagabina, topiramato, vigabatrina e valproato.
– O terceiro grupo praticamente consiste em uma droga, a etossuximida, que bloqueia os canais de cálcio.
Evidências recentes sugerem que a zonisamida também atue nos canais de cálcio tipo T.
Além disso, existe uma categoria separada de drogas que reduzem os efeitos excitatórios mediados pelo glutamato no SNC tais como o felbamato, o fenobarbital e topiramato.
E agora vamos ver as drogas separadamente, bem como elas agem, efeitos colaterais e para que tipo de convulsão sãao mais utilizadas.
Fenobarbital
Como age: aumento da atividade do GABA.
Efeitos colaterais: Sedação, erupções cutâneas, tremores nas pálpebras. Anemia pode aparecer.
Uso clínico: Utilizado nas crises parciais e crises tônico-clônicas generalizadas. Embora seja utilizado em todos os tipos de crises convulsivas, principalmente as de difícil controle.
Primidona
Como age: a primidona é convertida em fenobarbital e possui como principal mecanismo de ação o bloqueio de canais de sódio inibindo a geração de impulsos nervosos.
Efeitos colaterais: Rashes cutâneos, leucopenia, trombocitopenia.
Uso clínico: Crises tônico-clônicas generalizadas.
Obs: hoje é raramente utilizada devido aos seus efeitos colaterais.
Fenitoína
Como age: a forma de agir da fenitoína provavelmente envolve uma combinação de ações em diversos níveis. Em concentrações normais, a principal ação da droga consiste em bloquear os canais de sódio e inibir a geração impulsos nervosos repetidos.
Efeitos colaterais: Ataxia, nistagmo, prejuízo cognitivo, reações de hipersensibilidade, hiperplasia gengival, hirsutismo e anemia megaloblástica.
Uso clínico: Crises tônico-clônicas generalizadas e crises parciais complexas.
Carbamazepina
Como age: Bloqueia os canais de sódio.
Efeitos colaterais: Sedação, turvação visual, tontura, ataxia e diplopia.
Uso clínico: Considerada o fármaco de escolha para crises tônico-clônicas generalizadas. Pode ser utilizada junto com a fenitoína em pacientes de muito difícil controle.
Valproato
Como age: Potencializa a ação do GABA por uma ação pós-sináptica (inibe a degradação do GABA, aumentando seu nível na fenda sináptica). Inibe os canais de sódio.
Efeitos colaterais: Lesão hepática grave, alopecia, distúrbios gastrointestinais, ganho de peso e tremores.
Uso clínico: Utilizado em crises de ausência, geralmente associadas a crises tônico-clônicas generalizadas. É também utilizado para tratamento do distúrbio bipolar e profilaxia da enxaqueca.
Etossuximida
Como age: exerce importante efeito sobre as correntes de cálcio, reduzindo a corrente de baixo limiar (tipo T).
Efeitos colaterais: distúrbios gastrointestinais, alterações neuropsiquiátricas e rashes.
Uso clínico: utilizada nas crises de ausência
Obs: hoje o valproato é a droga de escolha para crises de ausência.
Benzodiazepínicos (clonazepam, diazepam, midazolam, nitrazepam)
Como age: potencializadores do GABA, facilitando a abertura dos canais de cloreto (aumenta a frequência de abertura) e também de modo alostérico aumentando a afinidade do GABA pelo seu receptor.
Efeitos colaterais: Sonolência, confusão, amnésia e comprometimento da coordenação.
Uso clínico: utilizados no mal epiléptico e em crises parciais e generalizadas.
Oxicarbazepina
Como age: bloqueio dos canais de sódio e cálcio.
Efeitos colaterais: Sedação, tontura, ataxia e hiponatremia (dose dependente). Alteração cognitiva também pode estar presente (memória).
Uso clínico: utilizada nas crises tônico-clônicas generalizadas e crises parciais.
Lamotrigina
Como age: bloqueio dos canais de sódio e de cálcio.
Efeitos colaterais: cefaléia, distúrbios da concentração, tontura, rash e visão turva.
Uso clínico: utilizada nas crises tônico-clônicas generalizadas, crises parciais e de ausência.
Vigabatrina
Como age: potencializa a transmissão gabaérgica, através da inibição da GABA transaminase, que é a enzima que degrada o GABA.
Efeitos colaterais: Sonolência, ganho ponderal, ataxia, diplopia e vertigens.
Uso clinico: como droga adjuvante parece ser efetivas nas crises parciais (leves a moderadas) e generalizadas (tônico-clônicas, mioclônicas e atônicas).
Gabapentina
Como age: bloqueio dos canais de cálcio. Acredita-se que também aumenta a produção do GABA.
Efeitos colaterais: Sonolência, tontura, ataxia e ganho de peso.
Uso clínico: utilizada como droga adjuvante no tratamento de crises parciais com ou sem generalização secundária.
Felbamato
Como age: bloqueio dos canais de sódio e cácio e inibição do glutamato.
Efeitos colaterais: transtornos gastrointestinais, cefaléia, sonolência, diplopia, ataxia, tontura e rash.
Uso clínico: utilizado em crises parciais refratárias. Seu uso está reduzido devido a sua relação com anemia aplástica e hepatotoxicidade.
Topiramato
Como age: atua em todas as esferas: bloqueia canais de sódio e cálcio, potencializa a transmissão gabaérgica e inibe o glutamato.
Efeitos colaterais: tontura, nervosismo, distúrbios cognitivos, perda de apetite e peso, parestesias e litíase renal.
Uso clínico: como adjuvante nas crises parciais.
Tiagabina
Como age: potencialização da ação gabaérgica (bloqueio da recaptação do GABA por células gliais e neuronais)
Efeitos colaterais: tontura, astenia, sonolência, náuseas, nervosismo, tremores, dor abdominal e problemas cognitivos.
Uso clínico: usada como terapia adjvante para crises parciais e com generalização secundária.
Levetiracetam
Como age: atua de forma diferente de qualquer outro agente antiepiléptico.
Efeitos colaterais: cefaléia, sonolência, tontura e astenia.
Uso clínico: utilizado tanto como monoterapia ou adjuvante nas crises parciais refratárias.
Zonisamida
Como age: atua bloqueando os canais de sódio e de cálcio e inibindo o glutamato.
Efeitos colaterais: Sonolência, ataxia, cefaléia, náusea, agitação, irritabilidade, fadiga, anorexia e perda do apetite.
Uso clínico: utilizada nas crises parciais, crises de ausência, crises tônico-clônicas e mioclônicas.
Abraços medicinais.